Pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), ficaram em segundo lugar e ganharam 50 mil dólares no concurso ‘Vesuvius Challenge 2023’, que tinha, como objetivo, identificar os escritos de um papiro que foi carbonizado e soterrado durante uma erupção vulcânica, na Itália, em 79 d.C.
Como os documentos não podem ser abertos para leitura pelo risco de se deteriorarem, os pesquisadores brasileiros contaram com a ajuda de inteligência artificial no processo. (veja abaixo como foi o trabalho).
Como foi o trabalho dos pesquisadores?
Os papiros eram folhas produzidas a partir de uma planta. Os documentos, que estavam numa biblioteca na cidade de Herculano, na Itália, foram carbonizados há quase 2 mil anos, depois da erupção do vulcão Vesúvio.
O material foi encontrado no século 18 e, desde então, vários métodos foram usados pra abrir os rolos de papiro, mas sem sucesso já que o material queimado é muito frágil.
Redes neurais, aprendizado de máquina e visão computacional foram usados para auxiliar no trabalho. O processo foi o seguinte:
– Primeiro a organização do concurso escaneou quatro papiros com a ajuda de tomografia computadorizada de raio X. O programa de computador também desenrolou os documentos em 3D e assim foi possível abrir os papiros.
– Depois, os participantes do concurso usaram a inteligência artificial para identificar a tinta nos manuscritos. O problema é que essa tinta era feita à base de carvão e, num primeiro momento, foi difícil ver diferença entre o papiro carbonizado e o texto escrito. Só com os códigos numéricos foi possível identificar as regiões com e sem tinta.
“Para não desenrolar fisicamente e destruir ele, porque ele virou um pedaço de carvão, é feita essa tomografia com raio X e a gente faz uma reconstrução em 3D no computador. Mas mesmo depois disso, o papiro ainda está enrolado, a gente desenrola virtualmente. Mesmo assim é muito difícil ver tinta, ver qualquer indício de escrita. E aí que entra a inteligência artificial para detectar sinais onde pode haver tinta”, explicou pesquisador do IFSC Leonardo Scabini .
“Aí a gente marca essas tintas e mostra pra inteligência artificial e fala: ‘olha isso aqui é tinta, acha mais pra gente’. E esse treinamento é feito e depois a gente tem detecções de tinta em pedaços muito pequenos do papiro e, juntos, formam letras palavras e o texto todo em si”, afirmou Scabini.
– O material foi enviado a especialistas, que decifraram o conteúdo dos papiros. Até o momento, os cientistas de São Carlos, junto com os outros pesquisadores internacionais, conseguiram ler somente 5% material e ainda há muito trabalho pela frente.
“A gente já tem dados de mais quatro pergaminhos, então o desafio propõe a leitura de pelo menos 90% até o final desse ano. Nosso time vai continuar tentando melhorar nossa inteligência artificial para isso”, destacou o pesquisador.
“Ser o único time brasileiro no meio disso e principalmente ter sido premiado é um orgulho para mostrar a capacidade da ciência brasileira, que é muito competitiva internacionalmente, apesar da diferença de de recurso de investimento. Com certeza é muito inspirador isso”, destacou Scabini.
O texto do papiro foi escrito em grego e fala sobre os prazeres da música e da comida e tem um teor filosófico epicurista, que prega a procura dos prazeres moderados para atingir um estado de tranquilidade e de ausência de medo.
O grego Epicuro viveu entre 341 e 271 antes de Cristo. Os pesquisadores acreditam que o texto foi escrito pelo filósofo grego Filodemo, que viveu entre 110 a.C. e 35 a.C.
Os documentos são conhecidos como “papiros de Herculano”, nome da cidade onde foram encontrados.
O “Desafio do Vesúvio” – ou “Vesuvius Challenge” – foi lançado em março de 2023 para reunir os pesquisadores de todo o mundo para lerem os pergaminhos de “Herculano”.
Apenas quatro equipes ao redor do mundo desenvolveram métodos capazes de decifrar os escritos do papiro. A comissão do concurso julgou de acordo com a legibilidade das sentenças.
O prêmio principal foi destinado à equipe que conseguiu ler uma frase inteira, “desenrolar os rolos” e identificar todas as letras do pergaminho.
A equipe, composta por um egípcio, doutorando na Freie University, na Alemanha, por um estagiário da empresa Space X e estudante de ciência da computação da University of Nebraska, nos Estados Unidos, e por um estudante de robótica do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, dividiu o prêmio de US$ 700 mil.
Outros dois times empataram em segundo lugar, assim como a equipe de São Carlos.